sábado, 19 de fevereiro de 2011
GENTE DO CÉU!! ESSA CONFISSÃO É DEMAIS.
QUANDO A DOR É MAIOR QUE A RAZÃO DE SER OU ESTAR
Cansei! Entendo que o mundo evangélico não admite que um pastor confesse o
seu cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que prometem restaurar os
trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensina que Deus restaura as forças
do que não tem nenhum vigor. Também estou informado de que Jesus dá alívio
para os cansados. Por isso, já me preparo para as censuras dos que se
escandalizarem com a minha confissão e me considerarem um derrotista.
Contudo, não consigo dissimular: eu me acho exausto.
Não, não me afadiguei com Deus ou com minha vocação. Continuo entusiasmado
pelo que faço; amo o meu Deus, bem como minha família e amigos. Permaneço
esperançoso. Minha fadiga nasce de outras fontes.
Canso com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de
Deus. Já não agüento mais que se usem versículos tirados do Antigo
Testamento e que se aplicavam a Israel para vender ilusões aos que lotam as
igrejas em busca de alívio. Essa possibilidade mágica de reverter uma
realidade cruel me deixa arrasado porque sei que é uma propaganda enganosa.
Cansei com os programas de rádio em que os pastores não anunciam mais os
conteúdos do evangelho; gastam o tempo alardeando as virtudes de suas
próprias instituições. Causa tédio tomar conhecimento das infinitas
campanhas e correntes de oração; todas visando exclusivamente encher os seus
templos. Considero os amuletos evangélicos horríveis. Cansei de ter de
explicar que há uma diferença brutal entre a fé bíblica e as crendices
supersticiosas.
Canso com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem da
realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista
como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção social
perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que existe uma
economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não agüento mais
cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que pairam sobre o
Brasil e o mundo.
Canso com a repetição enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza
poética. Sinto pena dos teólogos que se contentam em reproduzir o que outros
escreveram há séculos. Presos às molduras de suas escolas teológicas, não
conseguem admitir que haja outros ângulos de leitura das Escrituras.
Convivem com uma teologia pronta. Não enxergam sua pobreza porque acreditam
que basta aprofundarem um conhecimento “científico” da Bíblia e desvendarão
os mistérios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas forças.
Canso com os estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los: sem uma
visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes espirituais com
gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais desolador que um culto
pentecostal com uma coreografia preservada, mas sem vitalidade espiritual.
Cansei, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos próprios pentecostais
sobre os dons espirituais.
Cansei de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil
para soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que
provocam que as pessoas “caiam sob o poder de Deus” para tirar fotografias
ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas em seus países de
origem.
Canso com as perguntas que me fazem sobre a conduta cristã e o legalismo.
Recebo todos os dias várias mensagens eletrônicas de gente me perguntando se
pode beber vinho, usar “piercing”, fazer tatuagem, se tratar com acupuntura
etc., etc. A lista é enorme e parece inexaurível. Canso com essa mentalidade
pequena, que não sai das questiúnculas, que não concebe um exercício
religioso mais nobre; que não pensa em grandes temas. Canso com gente que
precisa de cabrestos, que não sabe ser livre e não consegue caminhar com
princípios. Acho intolerável conviver com aqueles que se acomodam com uma
existência sob o domínio da lei e não do amor.
Canso com os livros evangélicos traduzidos para o português. Não tanto pelas
traduções mal feitas, tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do
basebol, que nada têm a ver com a nossa realidade. Canso com os pacotes
prontos e com o pragmatismo. Já não agüento mais livros com dez leis ou
vinte e um passos para qualquer coisa. Não consigo entender como uma igreja
tão vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos lá do norte, onde
a abundância é tanta que os profetas denunciam o pecado da complacência
entre os crentes. Cansei de ter de opinar se concordo ou não com um novo
modelo de crescimento de igreja copiado e que vem sendo adotado no Brasil.
Canso com a falta de beleza artística dos evangélicos. Há pouco compareci a
um show de música evangélica só para sair arrasado. A musicalidade era
medíocre, a poesia sofrível e, pior, percebia-se o interesse comercial por
trás do evento. Quão diferente do dia em que me sentei na Sala São Paulo
para ouvir a música que Johann Sebastian Bach (1685-1750) compôs sobre os
últimos capítulos do Evangelho de São João. Sob a batuta do maestro, subimos
o Gólgota. A sala se encheu de um encanto mágico já nos primeiros acordes;
fechei os olhos e me senti em um templo. O maestro era um sacerdote e nós, a
platéia, uma assembléia de adoradores. Não consegui conter minhas lágrimas
nos movimentos dos violinos, dos oboés e das trompas. Aquela beleza não era
deste mundo. Envoltos em mistério, transcendíamos a mecânica da vida e nos
transportávamos para onde Deus habita. Minhas lágrimas naquele momento
também vinham com pesar pelo distanciamento estético da atual cultura
evangélica, contente com tão pouca beleza.
Canso de explicar que nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas
não existem para enriquecer sua liderança. Cansei de ter de dar satisfações
todas as vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar
que nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e
que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do que
ser obrigado a explanar para parentes ou amigos não evangélicos que aquele
último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos pastores que
vivem dignamente.
Canso com as vaidades religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram
cargos, posições e títulos. Desdenho os conchavos políticos que possibilitam
eleições para os altos escalões denominacionais. Cansei com as vaidades
acadêmicas e com os mestrados e doutorados que apenas enriquecem os
currículos e geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que mais um se
auto-intitulou apóstolo.
Sei que estou cansado, entretanto, não permitirei que o meu cansaço me torne
um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu coração.
Por isso, opto por não participar de uma máquina religiosa que fabrica
ícones. Não brigarei pelos primeiros lugares nas festas solenes patrocinadas
por gente importante. Jamais oferecerei meu nome para compor a lista dos
preletores de qualquer conferência. Abro mão de querer adornar meu nome com
títulos de qualquer espécie. Não desejo ganhar aplausos de auditórios
famosos.
Buscarei o convívio dos pequenos grupos, priorizarei fazer minhas refeições
com os amigos mais queridos. Meu refúgio será ao lado de pessoas simples,
pois quero aprender a valorizar os momentos despretensiosos da vida. Lerei
mais poesia para entender a alma humana, mais romances para continuar
sonhando e muita boa música para tornar a vida mais bonita. Desejo meditar
outras vezes diante do pôr-do-sol para, em silêncio, agradecer a Deus por
sua fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do meu quarto e a ler as
Escrituras como uma carta de amor de meu Pai.
Pode ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se for o seu caso,
convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas religiosas
que sugam suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus afirmou que não
adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há tempo de salvar a
nossa
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